People who are different change the world

02/04/2014

Os meninos com problemas de desenvolvimento precisam apenas de apoios especiais, na mesma escola.

O seguinte artigo do Professor Mário Cordeiro (Professor de Pediatria) vem publicado na Revista pais e Filhos e parece-me de uma enorme clarividência e importância informativa. Toca-me particularmente como Mãe de uma criança com DHMP e toca-nos a todos como comunidade. Leiam e divulguem.

Se uma criança for míope, ninguém contesta que frequente a escola, apesar de, sem óculos, ter dificuldade na aprendizagem. Os meninos com problemas de desenvolvimento precisam apenas de apoios especiais, na mesma escola.
Depois de um período em que as crianças com problemas de comportamento ou desenvolvimento não entravam no sistema educativo ou saíam dele precocemente, passou-se para uma fase da chamada ‘integração’, na qual as crianças com problemas deveriam ‘fazer um esforço’ para serem mais parecidas e acompanharem as consideradas ‘normais’. O passo seguinte parte para um novo conceito: a inclusão. Admitir que o universo da população é composto por seres humanos com diferentes características de personalidade, temperamento, competências, dons e talentos e que os ecossistemas, como a Escola, devem incluir todos, salvo raras e admissíveis exceções. Dando os apoios necessários a cada um, mas estimulando o que a partilha de saberes, experiências, vivências e aspetos sociais pode trazer de bom para cada um e para todos.
Se uma criança for míope em grau moderado ou elevado, ninguém contestará que frequente a escola, apesar de, sem óculos, ela ter grandes dificuldades no processo de ensino/aprendizagem. Além dos óculos, os professores tentarão tudo para que a sua deficiência não resulte emhandicap, como, por exemplo, coloca--lo na fila da frente.
Desta vez vou abordar uma outra situação: as chamadas doenças do espectro do autismo. Com a discussão que tem havido sobre eventual redução de apoios socioeducativos na educação especial, creio ser importante relembrar uma situação comum, que engloba várias doenças, mas que se revelam por sintomas e sinais parecidos. Para que as crianças possam beneficiar de todos os apoios necessários, no sentido de uma escola verdadeiramente inclusiva.
Autismo
Usa-se e abusa-se do termo ‘autista’. Se alguém não liga ao que dizemos rotulamo-lo de “autista”. Se um político, num debate, ignora o que o interlocutor está a dizer, lá o classificamos: “parece autista”. Os jovens são ‘autistas’ porque não ligam às vezes ao que os pais dizem. Um exagero. Um erro. Uma leviandade.
Por outro lado, tudo o que mexe é hiperativo e qualquer um que tenha momentos de distração poderá ter, com grande probabilidade (pela parte dos leigos, esclareça-se), um «défice de atenção».
Talvez valha a pena separar o trigo do joio. Há situações de autismo, assim como há síndromas de hiperatividade, com ou sem défice de atenção. E estas situações, a par das chamadas síndromas disléxicas e outras, devem ser diagnosticadas e tratadas atempadamente, para bem de todos. Mas daí a cair no exagero da rotulação vai um passo, inadmissível.
A palavra autismo vem do grego, da palavra «auto», significando «fechado sobre si mesmo». Assim, o autismo caracteriza-se por uma dificuldade extrema no relacionamento interpessoal e social, associado a problemas na comunicação verbal e não-verbal, grande atração por rotinas, movimentos e atividades repetitivas e monótonas, e uma relativa estreiteza de interesses, com grande stresse quando as rotinas se modificam.
Assim como há uma grande dificuldade ou mesmo impossibilidade, na criança autista, de se relacionar com os outros, também está comprometido o reverso da medalha – a criança não entende adequadamente os sinais que lhe são transmitidos, da fala à expressão facial e até a um gesto ameaçador ou um de afeto, não os sabendo interpretar, nem revelando interesse por eles.
Este grande grupo de situações – em que algumas crianças manifestam mais uns aspetos do que outros –, incluem entidades mais conhecidas atualmente, como o síndrome de Asperger e o síndrome de Rett, entre outras.
No conjunto das crianças, e tendo em conta a dificuldade em conseguir agrupar todas estas características no mesmo saco, pode estimar-se que seis em cada mil apresentam, em cada ano, sinais de que podem sofrer de uma destas situações. Reportando estes dados para Portugal, poderíamos dizer que todos os anos cerca de oitocentas novas crianças apresentarão alguma patologia desta área. Os rapazes têm uma incidência muito mais elevada: cerca de 4 a 5 vezes mais do que as raparigas, chegando a ser superior em alguns casos particulares, como o síndrome de Asperger.
As situações do «espectro do autismo» têm quatro grandes áreas de problemas:
• dificuldade na interação social e nas relações interpessoais;
• problemas acentuadas na comunicação – verbal e não verbal;
• comportamentos repetitivos, interesses obsessivos e estreitamento da visão da vida e das atividades;
• insegurança face a alterações de rotina;
Se pensarmos que estas áreas são prioritárias para nos sentirmos bem, para comunicar e nos relacionarmos – desde a família à sociedade –, poderemos entender bem que são deficiências que, facilmente, se podem tornar em handicaps, alterando profundamente a qualidade de vida da criança e dos pais, designadamente o seu futuro.
Mas atenção: estas áreas são muito vagas e podem ser sub ou supravalorizadas, conforme as circunstâncias e as pessoas. Muitas crianças relacionam-se mal com pessoas que não conhecem. Outras estão alheadas a ver televisão e não ouvem os pais chamar – até podem ter uma otite serosa e ouvir mal. Outras desviam o olhar quando sentem que fizeram asneiras e não querem encarar os pais. Ainda podem existir atrasos da fala normais e crianças que comunicam de formas a que muitos adultos não têm acesso. Finalmente, há idades em que os movimentos repetitivos e estereotipados são securizantes. Se se acabou e mudar de escola ou de casa, ou se se sofreu um trauma como uma hospitalização prolongada, podem apenas representar uma defesa.
As crianças com autismo têm uma característica: desinteresse pelas outras pessoas, não respondendo quando se chama pelo seu nome e evitando o contacto «olhos nos olhos».
A falta de compreensão das diversas formas de expressão que acompanham a fala – como a expressão visual, as rugas da cara, o sorriso (ou a zanga) e outros pormenores que nos permitem ver se uma pessoa está a brincar ou a fala a sério, se está alegre ou zangado, ou preocupado – leva a que a criança se feche num mundo dela, com total falta de empatia.
Muitas vezes, essa dissociação entre si próprios e a quem se referem quando falam deles leva a que, em vez de dizer «eu», digam «o Manel», «o Vasco», ou seja, se refiram pelo seu nome em vez de ser na primeira pessoa, como fator revelador de distanciamento até em relação a si próprios.
Para além da atração pelos movimentos repetitivos e rotativos, há uma diminuição da sensibilidade à dor, mas uma sensibilidade exagerada ao som, toque ou outros estímulos sensoriais, o que leva a um desagrado quando os pais (e especialmente outras pessoas) lhes tentam pegar, acariciar ou dar mimo.
Na síndroma de Asperger, por exemplo, as crianças revelam uma grande capacidade de aquisição de conhecimentos, podendo chegar quase à exaustão de um assunto, mas falta-lhes muitas vezes o doseamento emocional que leva a adequar o que se sabe ao que é realmente importante e pertinente.
Quais as causas?
Ainda não se conseguiu chegar a uma conclusão sobre as causas dos síndromes autistas, provavelmente porque haverá um conjunto de doenças diferentes, com causas também diferentes.
Os estudos da neurociência revelaram alterações na composição e no funcionamento do cérebro. Outros estudos referiram haver uma deficiência dos neurotransmissores, substâncias – como a serotonina – que facilitam a passagem dos estímulos e da informação entre os neurónios.
Uma coisa é certa: sejam quais forem as causas destas situações, os pais não têm qualquer culpa. Nem quanto à herança genética que transmitiram aos filhos, nem quanto à educação que lhes deram, práticas que tiveram ou eventuais erros e lacunas que (como todos nós) cometeram. É fundamental sublinhar isto vezes sem conta.
O que há a fazer?
 Com um tratamento e abordagem adequadas, há grande probabilidade de a criança poder evoluir para uma vida com maior autonomia. A adolescência é um período crítico, por razões óbvias. Face a um leque de sintomas desta ordem, há depois testes mais específicos que podem auxiliar ao diagnóstico – mas a visão multidisciplinar, que passa pelos neuropediatras, neuropsicólogos e psicólogos – , é essencial. A intervenção, depois, de um terapeuta da fala, de especialistas de psicomotricidade e outros técnicos destas áreas é essencial. Os terapeutas do âmbito da neuropsicologia, psicomotricidade e comunicação, entre outros, abriram novos horizontes para que, mesmo não se podendo modificar o funcionamento cerebral ou o «erro» que existe no «sistema operativo», se possam colmatar essas lacunas com aprendizagem de competências e de desempenhos. Uma coisa é certa: quanto mais cedo o tratamento começar, maiores as probabilidades de êxito e o tratamento só pode ser precoce se o diagnóstico for, ele mesmo, também precoce.
E se o apoio educativo e a inclusão escolar não faltarem, claro....

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