People who are different change the world

10/04/2014

Experiência com as escolas


Olá a todas estou aqui para partilhar a minha experiência nas escolas do ensino público e com a Universidade também ela pública.  Quero alertar-vos que existem coisas das quais não me lembro, ou nunca soube como foram tratadas e que por viver no interior as coisas são diferentes do que no litoral.

Tive acompanhamento no Porto com fisioterapia e terapias de outros tipos para ultrapassar as dificuldades motoras. Essas dificuldades ficaram do coma que tive quando era bebé e descobriram a doença.  Não ia para o infantário e ficava com os meus avós, isto até aos 4 anos.

Aos 4 anos fui para a Covilhã e para um infantário com alguns meninos e uma educadora. Aí ainda mantive as terapias no hospital local. Tinha alguns problemas no desenho e no corte com tesouras.

Na primária também em escola pública eram 12 colegas e uma professora. Tive algumas dificuldades no português por causa da escrita e na matemática. A professora ficava comigo para me ajudar a superar o problema com a escrita e com a matemática. Ia comer a casa e tinha muitos amigos, tinha uma auxiliar que ficava comigo no recreio por causa da comida.

No segundo ciclo fui para uma escola maior e já tinha cantina, mas nunca comi nessa escola, ia a casa almoçar. Tinha apoios a matemática, português e educação física. Estava integrada na educação especial e tinha esses apoios e algumas modificações nas aulas de educação física.

O apoio de educação física era mais para retirar o medo que tinha da bola, nunca a apanhava e melhorar a força e a orientação espacial. O teste teórico valia mais do que a parte prática.

A português tive apoio na parte da escrita, sim um caderno de duas linhas da primária até ao fim do sexto ano e ajuda na redação de textos e interpretação dos textos. A artes visuais tinha auxilio na parte da geometria e medições e a cortar com a tesoura.
Ainda tinha os funcionários da escola a vigiarem-me para não comer comida proibida, mas deixou de ser necessário.

No terceiro ciclo houve várias modificações porque a escola tinha mais alunos e vários professores que dava um novo receio aos meus pais.
Ainda integrada no ensino especial e com apoio a português, matemática, artes e educação física. Tinha de falar algumas vezes por mês com o professor do ensino especial para saber como estavam a correr as coisas e se as dificuldades ainda existiam.
Nesta escola fiz também o ensino secundário na área de humanidades. Tive testes adaptados a matemática, mas os professores deram conta que não era necessário só na parte de traços e medições se manteve e na questão do tempo. Nesses testes começava mais cedo do que os outros para conseguir terminar no tempo regular.  Os exames eram normais e também as provas globais. No secundário tive mais tempo para os exames nacionais que foi autorizado pelo júri, no entanto, nos cinco exames que fiz nunca o usei.  O sistema de avaliação era igual ao dos meus colegas só a educação física mudava para que a parte teórica valesse mais do que a prática. Tinha adaptação desde do segundo ciclo nos desportos coletivos com a alteração da bola para uma mais pequena, ou menos dura. Tive apoio de educação física desde do 5º ano até ao 11º ano. 
Notei muita diferença nos apoios consoante o professor que o desse, ainda nos mesmos moldes do primeiro, só que era diferente se fosse o professor da disciplina a dar do que quando era outro a dar. Fez-me muito bem esse apoio, sei que era mais horas que tinha de prática desportiva e com a natação fora da escola, mas acabou por compensar.  O apoio de artes só tive um ano no terceiro ciclo para tentar ultrapassar a parte do corte com a tesoura, mas não teve grande progresso. A matemática deixei de ter apoio fixo no ensino secundário onde a matemática que tinha fazia com notas boas só com as explicações extra-aulas.  Nessa escola além de todas as modificações de colegas e apoios foi a primeira escola onde almocei. Tive problemas no inicio, mas acabei por gostar e no secundário almoçava várias vezes, mesmo não sendo preciso.
Estive então no ensino especial até ao fim do secundário.
Quero dar-vos um aviso os professores vão ficar com uma ficha sobre o aluno em que nas observações têm a doença descrita. A minha penso que não é bem descrita pois começa com atraso mental irreversível, o que não possuo.
As viagens de escola tive uma no infantário a Lisboa de comboio, nessa o meu pai foi comigo. No 4º ano fui sozinha a Gouveia com a mala térmica azul com a comida para o dia todo. Não tive problema com as viagens de estudo, a mais longa que tive foi a Cascais três dias que foi a mais complicada com a comida. Não fui à viagem de finalistas do secundário por opção e pela dificuldade que era com a comida durante vários dias. 
Nunca senti a necessidade de levar a comida parecida com a dos meus colegas nem para a escola nem para festas. Lembro-me de eles perguntarem o que podia comer. A resposta era sempre gelatina gelly já e de resto levava eu as bolachas. Na minha festa de anos sempre houve dois bolos diferentes, eles não comiam do meu nem eu do deles. Para mim era o bolo e alguns doces e para eles os salgados e isso. Para todos a gelatina. Eu levava a comida para a escola e de lá comia a fruta e a salada e nada mais.

Na Universidade às coisas tornaram-se ainda mais complicadas porque eu tinha a noção que tudo o que tinha assegurado até ali podia ser posto em causa.
Para a candidatura nacional tive de entregar vários relatórios médicos e da escola onde andei autenticado pelo professor do ensino especial de todo o processo curricular que eu tinha e dos apoios que tinha.
Lembro-me de ter entregue tudo original um molho de papeis com 4 ou 5 relatórios médicos a explicar a doença e as dificuldades dela. Tudo isto para ter direito ao chamado " contingente de deficiência física ou sensorial" de maneira resumida o aluno nestas condições de candidatura tem direito a uma vaga das vagas que são reservadas para este tipo de alunos dentro das vagas totais. Nunca sabes até saírem os resultados se tens o estatuto, ou não. Demorei um dia e meio para entregar a papelada nos serviços de candidatura ao ensino superior, sem saber se poderia ou não ter direito a isso.  
Quando saíram os resultados descobri que fui colocada em dois cursos na mesma Universidade. Um que é o que frequento pelo contingente e no outro pela candidatura normal, mas só uma vinha sombreada por isso era esse que fica. No acto da matrícula fiz no que fui colocada com o contingente. O processo é igual a qualquer aluno pelos trémitos normais.
Na primeira semana de aulas descobri que os professores sabem quem tem o contingente pela sinalética no nome do aluno, ou seja todos sabiam como concorri. O director de curso teve acesso á parte da doença e tentou entender do que se tratava. Perguntou-me se queria activar o estatuto de aluno portador de deficiência. A minha resposta foi que não, porque achava desnecessário. Ele concordou que não havia razões para isso. As dificuldades que tive não foram a nível das aulas nem da exigência do curso. Tive uma única dificuldade que foi com a comida nas refeições das cantinas.
As minhas aulas eram só da parte da manhã no primeiro semestre, mas foi pedido que ficássemos de tarde uns dias para assistirmos a um congresso sobre a língua portuguesa. Com o transporte público era impossível ir para casa almoçar e regressar à faculdade. Tentei lá comer duas vezes e não consegui porque os funcionários diziam que não tinham ordem para aquecer a comida nem na cantina nem no bar da faculdade. Houve uma dessas vezes que a chover a cântaros fui a casa e voltei encharcada ao congresso, tanto que o director quando me viu perguntou onde tinha andado.  Aí foi a gota de água e não quis pedir ajuda aos meus pais para resolver o problema decidi falar com o director do curso.
Ele entendeu o problema e ficou muito preocupado e sem grandes explicações da minha parte e com algum humor tentou dar a volta à situação. O departamento escreveu uma carta e o problema ficou resolvido com um prato e um talher requisitados para mim e aquecerem a comida graças ao departamento de letras.  Pensei eu que o problema estava resolvido para sempre...
Este ano o problema persistiu por inexistência do papel, lá fui eu outra vez ao director de curso. Ele foi zangadíssimo falar com eles e a coisa diz ele que ficou resolvida, mas tive de ir almoçar a um café.
Visto que desta vez a ideia não resultou, perguntei no departamento de letras quem estava responsável pela alimentação na faculdade. Dirigi-me aos serviços sociais 3 km a pé.
Falei com o senhor e até lhe mostrei a comida que levava. Disse que ninguém lhe tinha dito nada e mandou a ordem para o bar da faculdade para me autorizar a comer lá e a ter o prato e o talher. Ninguém me garante que no próximo ano não  tenha de voltar a fazer tudo de novo.

E é assim que se passou a minha experiência pelas escolas até hoje! No próximo ano talvez consiga juntar mais uma ao currículo de escolas por onde passei. As escolas marcam as crianças se forem bem frequentadas, no meu caso ainda tenho parceria de trabalho no jornal da escola secundária que frequentei e regresso à minha escola do segundo ciclo algumas vezes....
Estou aberta a questões se precisarem...
beijinhos :)
Catarina

1 comentário:

  1. Catarina,

    Estou-te muito grata pelo cuidado e pormenor com que contaste o teu percurso escolar. Acho-o exemplar e trespassa um sentimento de segurança no teu discurso que tem o corolário na atitude voluntariosa com que resolveste as tuas questões logísticas na Universidade, já sem a intervenção dos teus Pais.
    Da tua história, tiro também um sentimento de optimismo relativamente à forma como a escola, nas suas diferentes fases de ensino acolheu as necessidades de apoio especial, parece-me quase ideal, compreensão, abertura e apoio adequado. Claro que o facto de não viveres num enorme centro urbano, te dá claramente vantagens, o ir almoçar a casa, o conhecimento mutuo, a convivência quase familiar ou de vizinhança que permite um acolhimento muito melhor. Eu sonho com uma escola assim, com alguém disponível para acompanhar o João enquanto for mais pequeno nas suas refeições e que haja um ambiente acolhedor e familiar numa escola pequena. Porque quando há boa vontade e profissionalismo os recursos serão sempre suficientes para a tender a todas as necessidades.
    Gostei imenso do que li, e és mais uma porta de esperança e confiança no futuro
    Obrigada e beijinhos
    Sofia

    ResponderEliminar