O meu filho fez 11 anos em Dezembro passado, e eu sinto hoje uma certa tranquilidade relativamente às questões da doença. Não quero dizer que tenha evoluido alguma coisa de muito significativo na restrição, na verdade, não evoluiu quase nada! Mas ao fim de uma década de convivio intimo com a fenilcetonúria, já sabemos perfeitamente como lidar com ela. Ser PKU, já não assusta, é quase moderno ter uma alimentação vegetariana, nesta sociedade obesa e doente de abusos de proteína animal. Algumas dificuldades persistem, como a alimentação no refeitório da escola, mas agora a opção é dele, não quer a sopa e a salada da escola, para não falar da fruta que deve pertencer ao grupo da fruta feia, ah pois é. A lancheira é obrigatória para a escola, mas já não o é para algumas refeições fora de casa em pequenos paraísos, onde ninguém estranha que haja quem se delicie com saladas variadas e sopas com um complemento trazido de casa. A questão das refeições em familia, também já não dói, porque temos sempre pontes deliciosas no dominio dos acompanhamentos, e nós todos temos imenso a beneficiar das opções vegetarianas e das descobertas apuradas que este filho pku nos obrigou a fazer. Outro capitulo conquistado é o das viagens, mesmo de mochila às costas já conseguimos gerir passeios fora com algum planeamento minimo, e aqui os alojamentos locais e a oferta variada de hosteis com cozinhas partilhadas fazem milagres por nós. Aprendi ao longo dos anos que há questões inultrapassáveis, que mais vale aceitá-las e seguir de cara alegre, porque a vida é tão variada que se a festa se fizer para além da mesa, todos ganhamos outras perspectivas. Acredito que há um longo caminho a percorrer nos tratamentos das doenças metabólicas, mas que nós vivemos um tempo feliz em que temos acompanhamento de primeiro mundo, boas opções de aminoácidos e uma comunidade viva sempre à procura da diversidade e beleza de uma cozinha dificil, mas desafiante e com excelentes resultados. O Kuvan revelou-se decepcionante, apenas abrange uma quantidade minima, residual, de doentes que conseguem beneficiar deste tratamento, mas outros até talvez mais interessantes, estão na calha, as terapias de substituição
enzimática prometem novos mundos, mas nós sabemos esperar. Lisboa é um lugar privilegiado em que a multiculturalidade é a melhor porta para a integração. E a comunicação via redes sociais, nas suas mais variadas formas une pais , familias, mães de primeira viagem, pequenos grupos, abre portas, janelas, consola e partilha as dificuldades. O futuro próximo não me angustia relativamente à doença, acredito estar a ajudar a desenvolver nele uma boa resistência moral, recursos que a seu tempo darão os melhores frutos. Não me impediu a realização profissional, apesar de ter feito uma pausa prologada na minha actividade, só me acrescenta este meu menino pku. Só me abriu portas, quando eu no inicio, achava que havia lados da minha vida dos quais teria que desistir, só me fez ir mais além, um desafio permanente é como o vejo. Com uma maturidade surpreendente, às vezes parece que é ele que me conduz pela mão em vez de ser eu a orientá-lo. Neste fim de mês de fevereiro, especialmente dedicado às Doenças Raras, é esta a mensagem de alegria que quero partilhar convosco, aprender com estes nossos filhos pkus metabólicos. Não há impossiveis, há passos dados em conjunto, aprendizagens partilhadas, a vida a oferecer-nos estas maravilhas que são Eles, os nossos filhos.
Bem Hajam