Quando as descobrem até o nome é estranho. Ontem festejou-se o Dia das Doenças Raras
Quando a moeda vai ao ar há 50% de hipóteses de sair a face que se escolhe. No caso de Elisabete, a probabilidade de nascer com uma doença rara era de 1 em 11 mil. Aconteceu. A 5 de Agosto o telefone tocou a dar a notícia. A bebé de dez dias tinha uma doença rara e hereditária. No final, a moeda caiu do lado certo: se tivesse nascido cinco anos antes, Elisabete nunca saberia que estava doente. A sorte: do outro lado do telefone falava o responsável do Instituto de Genética Médica do Porto que, desde 1979, analisa todos os testes de diagnóstico precoce do país: o famoso teste do pezinho.
Graças ao teste, os pais de Elisabete souberam que a filha tinha a doença e evitaram as consequências. Se não for tratada, a fenilcetonúria provoca danos irreversíveis no cérebro e leva ao atraso mental. Hoje, 24 anos já feitos, Elisabete terminou o curso de psicologia e tem uma vida normal. Mas a normalidade ganha-se à custa de muitos "nãos" à hora de comer, um dos poucos tratamentos para a doença.
"Quando estamos à mesa é difícil. Eu e a minha mulher comemos uma coisa e ela come outra", conta José Almeida, que reforça com o olhar a certeza que tem desde que Elisabete nasceu. Para a filha, porém, não há dramas: "Custa-lhes mais a eles do que a mim. Como nunca experimentei a comida deles, não sinto a falta", desvaloriza com um sorriso.
Do menu riscou-se a carne, o peixe, os ovos, o leite, a manteiga, o chocolate ou os bolos. A lista continua, sempre com o mesmo denominador comum: Elisabete não pode comer produtos que contenham fenilalanina (um aminoácido essencial), porque a enzima que o transforma em tirosina, outro aminoácido, funciona mal.
"Nunca quisemos que se visse como uma coitadinha", explica o pai. "Ela é apenas diferente à hora das refeições". Elisabete confirma. "Tive muita sorte com os meus amigos. São muito protectores e, quando há jantares de turma por exemplo, preocupam-se com o que vou comer", conta. "Nunca deixei de os acompanhar em tudo." Mesmo assim, há diferenças. E Elisabete sentiu a necessidade de conhecer uma das 300 pessoas que também têm a doença em Portugal. Há dois anos decidiu ir a um dos encontros da APOFEN (Associação Portuguesa de Fenilcetonúria e Outras Doenças Raras) e lá conheceu Susana. Em 23 anos, foi a primeira vez que conheceu alguém com a mesma a doença.
Bebé PKU Ao contrário de Elisabete, o filho de Sofia Figueira, com um ano, terá mais facilidade em conhecer outros doentes . A mãe criou um blogue " PKU + metabólicas" onde partilha com outros pais a experiência de ter um "bebé PKU" (PKU é a sigla da doença). "A reacção óbvia é medo. Medo das palavras - doença rara e crónica assusta o mais corajoso. Fenilcetonúria é um palavrão que arrasa com os nervos de qualquer um", escreveu no primeiro aniversário do filho.
"Quando recebi a chamada do Instituto de Genética Médica foi um choque muito grande. Nunca tinha ouvido o nome da doença", conta Sofia que largou o emprego para se dedicar em exclusivo ao filho. "Nunca esperamos receber resposta do teste do pezinho... E de repente tive de parar de amamentar, o bebé teve de fazer análises ao sangue e ficar internado", continua. Por isso, o impulso foi criar o blogue: "Sentia-me isolada".
Para já, troca receitas - "cozinha sem ovos, hambúrgueres que vêm em pó dentro de saquinhos" - e mensagens de encorajamento. "Cá estou de mangas arregaçadas para dar a volta às complicações, se os outros conseguem, eu também vou conseguir!", conclui Sofia Figueira.
por Patrícia Silva Alves,
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